C.S LEWIS: VAMOS FALAR SOBRE SEXO
9.3.14O texto abaixo sobre o cristão e o sexo foi escrito por C. S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples (Editora Martins Fontes). É um pouco longo para um blog, mas vale a pena ser lido caso você ainda não tenha lido o livro.
A castidade é a menos
popular das virtudes cristãs. Porém, não existe escapatória. A regra cristã é
clara: “Ou o casamento, com fidelidade completa ao cônjuge, ou a abstinência
total.” Isso é tão difícil de aceitar, e tão contrário a nossos instintos, que
das duas, uma: ou o cristianismo está errado ou o nosso instinto sexual, tal
como é hoje em dia, se encontra deturpado. E claro que, sendo cristão, penso
que foi o instinto que se deturpou. (…)
Dizem que o sexo se tornou
um problema grave porque não se falava sobre o assunto. Nos últimos vinte anos,
não foi isso que aconteceu. Todo o dia se fala sobre o assunto, mas ele
continua sendo um problema. Se o silêncio fosse a causa do problema, a conversa
seria a solução. Mas não foi. Acho que é exatamente o contrário. Acredito que a
raça humana só passou a tratar do tema com discrição porque ele já tinha se
tornado um problema. Os modernos sempre dizem que “o sexo não é algo de que
devemos nos envergonhar”. Com isso, podem estar querendo dizer duas coisas. Uma
delas é que “não há nada de errado no fato de a raça humana se reproduzir de um
determinado modo, nem no fato de esse modo gerar prazer”. Se é isso o que têm
em mente, estão cobertos de razão. O cristianismo diz a mesma coisa. O problema
não está nem na coisa em si, nem no prazer. Os velhos pregadores cristãos
diziam que, se o homem não tivesse sofrido a queda, o prazer sexual não seria
menor do que é hoje, mas maior. Bem sei que alguns cristãos de mente tacanha
dizem por aí que o cristianismo julga o sexo, o corpo e o prazer como coisas
intrinsecamente más. Mas estão errados. O cristianismo é praticamente a única
entre as grandes religiões que aprova por completo o corpo — que acredita que a
matéria é uma coisa boa, que o próprio Deus tomou a forma humana e que um novo
tipo de corpo nos será dado no Paraíso e será parte essencial da nossa
felicidade, beleza e energia. O cristianismo exaltou o casamento mais que
qualquer outra religião; e quase todos os grandes poemas de amor foram
compostos por cristãos. Se alguém disser que o sexo, em si, é algo mau, o
cristianismo refuta essa afirmativa instantaneamente. Mas é claro que, quando
as pessoas dizem “o sexo não é algo de que devemos nos envergonhar”, elas podem
estar querendo dizer que “o estado em que se encontra nosso instinto sexual não
é algo de que devemos sentir vergonha”.
Se é isso que querem dizer,
penso que estão erradas. Penso que temos todos os motivos do mundo para sentir
vergonha. Não há nada de vergonhoso em apreciar o alimento, mas deveríamos nos
cobrir de vergonha se metade das pessoas fizesse do alimento o maior interesse
de sua vida e passasse os dias a espiar figuras de pratos, com água na boca e
estalando os lábios. Não digo que você ou eu sejamos individualmente
responsáveis pela situação atual. Nossos ancestrais nos legaram organismos que,
sob este aspecto, são pervertidos; e crescemos cercados de propaganda a favor
da libertinagem. Existem pessoas que querem manter o nosso instinto sexual em
chamas para lucrar com ele; afinal de contas, não há dúvida de que um homem
obcecado é um homem com baixa resistência à publicidade. Deus conhece nossa
situação; ele não nos julgará como se não tivéssemos dificuldades a superar. O
que realmente importa é a sinceridade e a firma vontade de superá-las.
Para sermos curados, temos
de querer ser curados. Todo aquele que pede socorro será atendido; porém, para
o homem moderno, até mesmo esse desejo sincero é difícil de ter. E fácil pensar
que queremos algo quando na verdade não o queremos. Um cristão famoso, de
tempos antigos, disse que, quando era jovem, implorava constantemente pela
castidade; anos depois, se deu conta de que, quando seus lábios pronunciavam “ó
Senhor, fazei-me casto”, seu cotação acrescentava secretamente as palavras:
“Mas, por favor, que não seja agora.” Isso também pode acontecer nas preces em
que pedimos outras virtudes; mas há três motivos que tornam especialmente
difícil desejar — quanto mais alcançar – a perfeita castidade.
Em primeiro lugar, nossa
natureza pervertida, os demônios que nos tentam e a propaganda a favor da
luxúria associam-se para nos fazer sentir que os desejos aos quais resistimos
são tão “naturais”, “saudáveis” e razoáveis que essa resistência é quase uma
perversidade e uma anomalia. Cartaz após cartaz, filme após filme, romance após
romance associam a idéia da libertinagem sexual com as idéias de saúde,
normalidade, juventude, franqueza e bom humor. Essa associação é uma mentira.
Como toda mentira poderosa, é baseada numa verdade – a verdade reconhecida
acima de que o sexo (à parte os excessos e as obsessões que cresceram ao seu
redor) é em si “normal”, “saudável” etc. A mentira consiste em sugerir que
qualquer ato sexual que você se sinta tentado a desempenhar a qualquer momento
seja também saudável e normal. Isso é estapafúrdio sob qualquer ponto de vista
concebível, mesmo sem levar em conta o cristianismo. A submissão a todos os
nossos desejos obviamente leva à impotência, à doença, à inveja, à mentira, à
dissimulação, a tudo, enfim, que é contrário à saúde, ao bom humor e à
franqueza. Para qualquer tipo de felicidade, mesmo neste mundo, é necessário
comedimento. Logo, a afirmação de que qualquer desejo é saudável e razoável só
porque é forte não significa coisa alguma. Todo homem são e civilizado deve ter
um conjunto de princípios pelos quais rejeita alguns desejos e admite outros.
Um homem se baseia em princípios cristãos, outro se baseia em princípios de
higiene, e outro, ainda, em princípios sociológicos. O verdadeiro conflito não
é o do cristianismo contra a “natureza”, mas dos princípios cristãos contra
outros princípios de controle da “natureza”. A “natureza” (no sentido de um
desejo natural) terá de ser controlada de um jeito ou de outro, a não ser que
queiramos arruinar nossa vida. E bem verdade que os princípios cristãos são
mais rígidos que os outros; no entanto, acreditamos que, para obedecer-lhes,
você poderá contar com uma ajuda que não terá para obedecer aos outros.
Em segundo lugar, muitas
pessoas se sentem desencorajadas de tentar seriamente seguir a castidade cristã
porque a consideram impossível (mesmo antes de tentar). (…) Podemos ter certeza
de que a castidade perfeita — como a caridade perfeita — não será alcançada
pelo mero esforço humano. Você tem de pedir a ajuda de Deus. Mesmo depois de
pedir, poderá ter a impressão de que a ajuda não vem, ou vem em dose menor que
a necessária. Não se preocupe. Depois de cada fracasso, levante-se e tente de
novo. Muitas vezes, a primeira ajuda de Deus não é a própria virtude, mas a
força para tentar de novo. Por mais importante que seja a castidade (ou a
coragem, a veracidade ou qualquer outra virtude), esse processo de treinamento
dos hábitos da alma é ainda mais valioso. Ele cura nossas ilusões a respeito de
nós mesmos e nos ensina a confiar em Deus. Aprendemos, por um lado, que não
podemos confiar em nós mesmos nem em nossos melhores momentos; e, por outro,
que não devemos nos desesperar nem mesmo nos piores, pois nossos fracassos são
perdoados. A única atitude fatal é se dar por satisfeito com qualquer coisa que
não a perfeição.
Em terceiro lugar, as
pessoas muitas vezes não entendem o que a psicologia quer dizer com
“repressão”. Ela nos ensinou que o sexo “reprimido” é perigoso. Nesse caso,
porém, “reprimido” é um termo técnico: não significa “suprimido” no sentido de
“negado” ou “proibido”. Um desejo ou pensamento reprimido é o que foi jogado
para o fundo do subconsciente (em geral na infância) e só pode surgir na mente
de forma disfarçada ou irreconhecível. Ao paciente, a sexualidade reprimida não
parece nem mesmo ter relação com a sexualidade.
Quando um adolescente ou um adulto se empenha
em resistir a um desejo consciente, não está lidando com a repressão nem corre
o risco de a estar criando. Pelo contrário, os que tentam seriamente ser castos
têm mais consciência de sua sexualidade e logo passam a conhecê-la melhor que
qualquer outra pessoa. Acabam conhecendo seus desejos como Wellington conhecia
Napoleão ou Sherlock Holmes conhecia Moriarty; como um apanhador de ratos
conhece ratos ou como um encanador conhece um cano com vazamento. A virtude –
mesmo o esforço para alcançá-la — traz a luz; a libertinagem traz apenas
brumas.
Para encerrar, apesar de eu
ter falado bastante a respeito de sexo, quero deixar tão claro quanto possível
que o centro da moralidade cristã não está aí. Se alguém pensa que os cristãos
consideram a falta de castidade o vício supremo, essa pessoa está redondamente
enganada. Os pecados da carne são maus, mas, dos pecados, são os menos graves.
Todos os prazeres mais terríveis são de natureza puramente espiritual: o prazer
de provar que o próximo está errado, de tiranizar, de tratar os outros com
desdém e superioridade, de estragar o prazer, de difamar. São os prazeres do
poder e do ódio. Isso porque existem duas coisas dentro de mim que competem com
o ser humano em que devo tentar me tornar. São elas o ser animal e o ser
diabólico. O diabólico é o pior dos dois. E por isso que um moralista frio e
pretensamente virtuoso que vai regularmente à igreja pode estar bem mais perto
do inferno que uma prostituta. É claro, porém, que é melhor não ser nenhum dos
dois.
Fonte: Sandro Baggio
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