NATAL EM NÁRNIA

25.12.13

A Sra. Castor e as crianças correram para fora, piscando por causa da luz, sujas de terra, descabeladas, muito desarrumadas, esfregando os olhos de sono.
— Venham! — repetia o castor, quase dançando de alegria. — Venham só ver! Que surpresa para a feiticeira! O poder dela já está balançando.
— Que se passa, Sr. Castor? — perguntou Pedro, ofegante, subindo pela encosta íngreme.
— Não disse a vocês que, por artes dela, era sempre inverno e o Natal nunca chegava? Não disse?Pois vejam agora! 
E, de fato, lá em cima todos puderam ver.
Era um trenó puxado por duas renas, com sinetas tilintando nos arreios. Renas muito maiores que as da feiticeira, mas eram castanhas, e não brancas. No trenó estava alguém que todos reconheceram à primeira vista. Era um homem alto, vestido de vermelho-vivo como as bagas do azevinho, com um capuz forrado de pele, uma barba branca, tão comprida que lhe cobria o peito como uma queda d’água espumante. Todos o reconheceram porque, embora essas pessoas só existam em Nárnia, podemos vê-las em gravuras e ouvir a respeito delas, mesmo em nosso mundo — o mundo que fica do lado de cá da porta do guarda-roupa. Oh! Mas quando se tem a sorte de ver essa gente em Nárnia é muito diferente! Alguns dos postais coloridos de Papai Noel que podemos ver em nosso mundo mostram um velho engraçado e bonachão. Não era bem assim para as crianças. Era tão grande, tão alegre e tão real, que ficaram paralisadas de espanto. E, apesar de todo o contentamento, sentiam também que era um momento solene.
— Aqui estou, afinal! — disse ele. — Ela me impediu de vir durante muito tempo, mas acabei chegando. Aslam está a caminho. O poder mágico da feiticeira já começou a declinar.
Lúcia sentiu-se percorrida por aquele calafrio de alegria que só sentimos nas solenidades imponentes e tranqüilas,
— E agora — prosseguiu Papai Noel — vamos aos presentes! Aqui está uma máquina de costura nova, último modelo, para a Sra. Castor. Vou deixá-la na casa, quando passar por lá.
— Queira desculpar — disse ela, fazendo uma reverência –, mas a casa está fechada.
— Fechaduras e chaves não têm a menor importância para mim — respondeu
Papai Noel. — Quanto ao seu presente, Sr. Castor, quando voltar, vai encontrar o seu dique terminado, consertado em todos os pontos onde vazava água e, além disso, uma comporta novinha em folha.
O Sr. Castor ficou tão alegre que sua boca se abriu totalmente, mas então ele descobriu que não conseguia dizer uma palavra.
— Pedro, Filho de Adão — continuou Papai Noel.
— Presente! — disse Pedro.
— Presentes para você. São ferramentas, e não brinquedos. Talvez não esteja longe o dia em que precisará usá-las. Com honra!
E entregou a Pedro um escudo e uma espada. O escudo era cor de prata, com um leão rubro no centro, lustroso como um morango pronto para ser colhido. A espada tinha punho de ouro, bainha, cinto, tudo, e parecia feita sob medida. Pedro recebeu os presentes em grave silêncio, sentindo que se tratava de uma coisa muito séria.
— Susana, Filha de Eva! Isto é para você. — E Papai Noel entregou-lhe um arco, uma aljava cheia de setas e uma trompazinha de marfim. — Só deve usar o arco em  grande risco, pois não quero que você tome parte ativa na luta. Raras vezes falha o alvo. Quanto à trompa, é só levá-la aos lábios e tocar: auxílio lhe virá de alguma parte.
Lúcia, Filha de Eva! – Papai Noel estendeu-lhe uma garrafinha, que parecia de vidro (houve mais tarde quem dissesse que era de diamante) e um punhal muito pequeno. – Esta garrafa contém um tônico feito do suco de uma flor de fogo que cresce nas montanhas do sol. Se um amigo estiver ferido, bastam algumas gotas para curá-lo. O punhal é para a sua defesa, em caso de extrema necessidade. Porque você também não deve entrar na luta."
– Por que não, meu senhor? – disse Lúcia. – Acho que... bem, não sei... mas acho que eu era capaz de não ter medo! – O problema não é esse. E que as batalhas são mais feias quando as mulheres tomam parte nelas. E agora – continuou, com uma expressão muito me nos solene –, agora aqui está para vocês todos!...

E Papai Noel apresentou-lhes (deve ter tirado do grande saco, mas a verdade é que ninguém deu por isso) uma enorme bandeja, com cinco taças de chá, com os respectivos pires, um açucareiro, uma tigelinha de creme de leite e uma grande chaleira ainda a chiar. E gritou em seguida: 

– Feliz Natal! Viva o Verdadeiro Rei! – Estalou o chicote e desapareceram, ele, as renas, o trenó, tudo, antes que os outros se dessem conta de que tinham ido embora.

Pedro mostrava a espada desembainhada ao Sr. Castor quando ouviu a voz da Sra. Castor: – Vamos deixar de conversa, que o chá esfria. Os homens, vocês sabem, são um caso sério. Vamos, ajudem-me a levar a bandeja lá para baixo e vamos ao chá. Ainda bem que não me esqueci de trazer a faca de pão.

Desceram a encosta íngreme de volta à caverna, onde o Sr. Castor, em meio ao contentamento geral, cortou o pão e o presunto para fazer sanduíches. 

As Crônicas de Nárnia  - O Leão, a Feiticeira e o Guarda - Roupa, p.106-109

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